A vida como drama: por que a mesma situação afeta as pessoas de forma tão diferente?

A resposta mais comum para essa questão é um simples "porque cada um sente de um jeito". Embora seja verdade, essa explicação não nos ajuda a compreender a fundo por que isso acontece. Ela apenas constata o fato, sem revelar o processo por trás dele. Na Psicologia Histórico-Cultural, buscamos ir além, e um conceito central para essa compreensão é o de vivência (perejivânie, em russo).

9/15/20253 min read

Você já reparou como um mesmo acontecimento – uma demissão, o fim de um relacionamento, ou até mesmo uma conquista profissional – pode gerar reações completamente distintas em pessoas diferentes? Enquanto uma pessoa pode encarar a perda de um emprego como uma catástrofe, outra pode vê-la como uma libertação. Onde um pode encarar um elogio como uma pressão, outra pessoa pode se sentir orgulhosa.

A resposta mais comum para essa questão é um simples "porque cada um sente de um jeito". Embora seja verdade, essa explicação não nos ajuda a compreender a fundo por que isso acontece. Ela apenas constata o fato, sem revelar o processo por trás dele. Na Psicologia Histórico-Cultural, buscamos ir além, e um conceito central para essa compreensão é o de vivência (perejivânie, em russo).

O que é a Vivência (Perejivânie)? A Unidade entre o que acontece e quem você é

Desenvolvido pelo psicólogo Lev Vygotsky, o conceito de vivência nos ajuda a entender a experiência humana de uma forma muito mais rica e precisa. A vivência não é simplesmente o sentimento que temos sobre algo, nem é apenas o evento objetivo que aconteceu. Ela é a unidade indivisível entre a pessoa e o seu meio.

Imagine a vivência como um prisma. O ambiente, com todos os seus acontecimentos, é a luz que incide sobre esse prisma. A personalidade de cada um – formada por toda a sua história de vida, suas relações, suas condições materiais, suas aprendizagens e seus sofrimentos – é o prisma em si, com sua forma, densidade e ângulos únicos. A experiência emocional, o que de fato "sentimos", é o espectro de cores que emerge do outro lado. A luz (o evento) pode ser a mesma, mas a forma como ela é refratada (a vivência) será completamente única, pois cada prisma (cada pessoa) é único.

Dessa forma, a vivência é a maneira como um evento externo se traduz em nossa experiência interna. Ela revela como o mundo nos afeta e, ao mesmo tempo, o que de nós mesmos colocamos nessa situação. Isso quer dizer que, para compreender porque uma situação nos despertou determinado sentimento, é preciso ir atrás do significado que ela adquiriu para nós, a partir das nossas experiências ao longo da nossa história e de quem nos tornamos através delas.

É por isso que a sua dor é única. Ela não é maior ou menor que a de outra pessoa; ela é qualitativamente diferente, porque ela reflete a sua trajetória, as suas relações, as suas necessidades, objetivos e motivações. Compreender isso é o primeiro passo para validar a própria experiência, acolhendo o que se sente sem julgamentos de "certo" ou "errado".

A vivência como ferramenta para o psicólogo

Para o profissional que atua na clínica, o conceito de vivência é mais do que uma explicação teórica; ele é uma ferramenta de trabalho fundamental. Na Psicologia Histórico-Cultural, a vivência é considerada a unidade de análise para a compreensão do desenvolvimento humano e do sofrimento psíquico.

Isso significa que, no processo psicoterapêutico, nosso foco não está em separar o "problema interno" do "contexto externo". Não analisamos a pessoa isolada do mundo, nem o mundo sem a pessoa. Nós analisamos a relação dialética entre os dois. A questão central do diagnóstico e da intervenção clínica passa a ser: "Como este indivíduo, com sua história de desenvolvimento concreta, vivencia essa situação específica de sua vida?".

Ao tomar a vivência como ponto de partida, o psicólogo consegue:

  1. Superar a dicotomia interno vs. externo: Compreende que a subjetividade se constitui na relação com a realidade objetiva.

  2. Acessar o drama da vida do sujeito: O termo "drama" aqui é usado em seu sentido original, de ação e conflito. A vivência revela os conflitos centrais que movem a pessoa, suas contradições e suas possibilidades de transformação.

  3. Construir um diagnóstico processual: Em vez de rotular o paciente com um transtorno estático, o profissional busca compreender a dinâmica de seu desenvolvimento e as raízes de seu sofrimento em sua história de vida e em suas condições atuais.

A psicoterapia, sob essa ótica, torna-se um espaço para que a pessoa, com o auxílio do terapeuta, possa tomar consciência de suas próprias vivências, compreender os significados e sentidos que atribui aos acontecimentos e, a partir daí, construir ativamente novas formas de se relacionar com o mundo e consigo mesma.

Se você se identifica com essa busca por compreender sua história e os significados que ela produz em sua vida, a psicoterapia pode ser um caminho potente. Aqui no Segundo Ato, trabalhamos para criar um espaço de acolhimento e elaboração dessas vivências. Entre em contato para saber mais sobre nosso trabalho clínico.

Referências:

VIGOTSKI, L. S. (2018). A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca. (P. Bezerra, Trad.). São Paulo: Editora 34.

VYGOTSKY, L. S. (2006). El problema del entorno. In: Obras Escogidas, Tomo IV. Madrid: Machado Libros.

PRESTES, Z. R., & TUNES, E. (2017). 7 aulas de L. S. Vigotski. Rio de Janeiro: E-papers.