Determinação Social do Processo Saúde-Doença: Contribuições de Asa Cristina Laurell

A determinação social do processo saúde-doença é um conceito central na Saúde Coletiva, especialmente desenvolvido pela corrente latino-americana de medicina social. Entre as principais teóricas dessa abordagem, destaca-se Asa Cristina Laurell, cujas contribuições revolucionaram a compreensão das relações entre estrutura social e saúde. Seu trabalho critica a visão reducionista biomédica e propõe uma análise das condições de vida como fundamento para entender padrões de adoecimento

6/9/20254 min read

A determinação social do processo saúde-doença é um conceito central na Saúde Coletiva, especialmente desenvolvido pela corrente latino-americana de medicina social. Entre as principais teóricas dessa abordagem, destaca-se Asa Cristina Laurell, cujas contribuições revolucionaram a compreensão das relações entre estrutura social e saúde. Seu trabalho critica a visão reducionista biomédica e propõe uma análise das condições de vida como fundamento para entender padrões de adoecimento.

Principais Contribuições de Laurell

1. Crítica ao Paradigma Biomédico

Laurell questionou a visão hegemônica que reduz a doença a fenômenos biológicos individuais. Para ela, o processo saúde-doença é coletivo e resulta de dinâmicas sociais, econômicas e políticas. Em "A saúde-doença como processo social" (1983), argumenta que o adoecimento não é aleatório, mas está ligado à forma como a sociedade organiza a produção e distribuição de recursos.

2. Processo Saúde-Doença como Fenômeno Coletivo

Laurell propôs substituir a ideia de "fatores de risco" pela noção de processo social. Em vez de analisar variáveis isoladas (como renda ou educação), ela enfatizou a totalidade das relações sociais. Por exemplo, a exposição a doenças crônicas em populações pobres não é mera consequência de escolhas individuais, mas de condições estruturais como exploração laboral e falta de acesso a alimentos saudáveis.

3. Determinação Social vs. Determinantes Sociais

Laurell diferenciou claramente a determinação social (abordagem crítica latino-americana) dos determinantes sociais da saúde (conceito difundido pela OMS). Enquanto a OMS lista fatores como pobreza e escolaridade como "determinantes", Laurell defendia que a saúde é moldada pela organização do modo de produção capitalista, que gera desigualdades através da exploração de classes, racismo e exclusão territorial.

4. Análise do Trabalho como Determinante Central

Em colaboração com outros autores, Laurell destacou o trabalho como eixo central da determinação social. Condições precárias de emprego, jornadas exaustivas e exposição a riscos físicos e psíquicos são mecanismos de desgaste da saúde da classe trabalhadora, especialmente em contextos de capitalismo dependente na América Latina.

5. Método Materialista Histórico-Dialético

Laurell baseou-se no materialismo histórico para analisar como a saúde é produzida e reproduzida nas sociedades. Sua abordagem não se limita a descrever desigualdades, mas busca desvendar as relações de poder e exploração que as sustentam. Por exemplo, a privatização dos serviços de saúde e a mercantilização da vida são vistas como expressões da acumulação capitalista.

Exemplos Práticos Segundo a Perspectiva de Laurell

  1. Doenças Crônicas: Em países periféricos, a alta prevalência de diabetes e hipertensão está ligada à industrialização de alimentos ultraprocessados e à falta de políticas públicas para regulá-los, reflexo de interesses corporativos .

  2. Doenças Infecciosas: Epidemias como dengue e leptospirose em áreas periféricas são resultado da urbanização desordenada e da negligência estatal com saneamento básico.

  3. Saúde Mental: A precarização do trabalho e o desemprego estrutural geram ansiedade e depressão, evidenciando como o capitalismo produz sofrimento psíquico.

Revisão Crítica: Laurell vs. Abordagens Funcionalistas

Laurell criticou a sociologia positivista de Durkheim, base teórica dos "determinantes sociais da saúde" da OMS. Para ela, essa visão fragmenta o social em variáveis isoladas (ex.: renda, educação), ignorando a totalidade histórica que explica por que certos grupos adoecem mais. Enquanto a OMS propõe intervenções pontuais (ex.: programas de alimentação saudável), Laurell defendia a transformação das estruturas sociais.

Conclusão

As contribuições de Asa Cristina Laurell redefiniram o campo da Saúde Coletiva, mostrando que a saúde não é um fenômeno neutro, mas um reflexo das contradições sociais. Sua obra reforça a necessidade de políticas redistributivas, como a universalização do acesso à saúde (SUS) e a regulação do capitalismo. Como ela destacou, combater iniquidades exige mais que ajustes técnicos: demanda enfrentar a raiz dos problemas, como a exploração laboral e a concentração de riqueza.

Este texto incorpora as contribuições centrais de Laurell, destacando seu rigor teórico e relevância para a saúde pública contemporânea. Para aprofundamento, recomenda-se a leitura de "A saúde-doença como processo social" e artigos críticos sobre os determinantes sociais.

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