O futuro que te puxa: terapia não é só olhar para o passado

É comum que a psicoterapia seja associada a uma jornada de escavação do passado. Muitas pessoas buscam terapia com a ideia de que precisam desvendar traumas de infância ou entender eventos antigos para resolverem seus sofrimentos presentes. Embora a nossa história seja, sem dúvida, a base sobre a qual nos constituímos e compreendê-la seja fundamental, é importante olhar para o processo terapêutico de uma forma mais ampla e dinâmica. A terapia não é apenas sobre quem você foi e o que te aconteceu, mas, crucialmente, sobre seu "devir" (termo filosófico que refere-se ao processo contínuo de mudança pelo qual as coisas passam). Leia a publicação completa para entender mais sobre o assunto.

9/19/20254 min read

É comum que a psicoterapia seja associada a uma jornada de escavação do passado. Muitas pessoas buscam terapia com a ideia de que precisam desvendar traumas de infância ou entender eventos antigos para resolverem seus sofrimentos presentes. Embora a nossa história seja, sem dúvida, a base sobre a qual nos constituímos e compreendê-la seja fundamental, é importante olhar para o processo terapêutico de uma forma mais ampla e dinâmica. A terapia não é apenas sobre quem você foi e o que te aconteceu, mas, crucialmente, sobre seu "devir" (termo filosófico que refere-se ao processo contínuo de mudança pelo qual as coisas passam) .

Nessa perspectiva, o processo terapêutico é um espaço para construir esse processo. É um trabalho colaborativo focado no desenvolvimento de novas formas de pensar, sentir e agir, que esteja em consonância com quem você foi, é, e quer ser. Esse processo se dá pela fala, e podemos contar com a ajuda de um conceito importante para guiar essa construção: a Zona de Desenvolvimento Imediato, elaborado pelo psicólogo Lev Vigotski.


Construindo o "eu de amanhã": a terapia na prática

Para Vigotski, o desenvolvimento não é um processo passivo. Nós nos transformamos ativamente nas relações que estabelecemos com o mundo e com as outras pessoas. A Zona de Desenvolvimento Imediato é aquele espaço entre o que uma pessoa tem desenvolvido e consolidada, e (seu nível de desenvolvimento real) e o que ela está em vias de construir (seu nível de desenvolvimento potencial) com a colaboração de outra pessoa.

Vamos pensar em um exemplo concreto. Um adulto sente uma ansiedade paralisante em situações de conflito no trabalho. Sozinho (desenvolvimento real), ele consegue, no máximo, evitar essas situações ou ter reações impulsivas das quais se arrepende depois. Ele não consegue, ainda, identificar suas necessidades e dirigir-se de acordo com seu objetivo na situação, pensar em novas formas de se posicionar, e fazer avaliações sobre seu próprio comportamento, adequando-os as suas necessidades e motivos.

No espaço terapêutico procuramos identificar essa "zona". Com a ajuda do psicólogo, ele pode fazer com um par (o psicoterapeuta) o que está difícil de fazer sozinho. De acordo com o exemplo, poderíamos:

Analisar a situação e ajudar na elaboração: em colaboração, podemos investigar a situação que gera ansiedade, qual necessidade não está sendo atendida e porque, o que pode-se fazer que ainda não foi feito, etc.

Nomear sentimentos: o psicólogo pode ajudá-lo a nomear e compreender a complexa mistura de medo, raiva e frustração que ele sente como "ansiedade".

Desenvolver ferramentas: juntos, podemos construir novas formas de se comunicar, ensaiar diálogos num espaço seguro e pensar em estratégias para lidar com o conflito de maneira mais consciente e controlada, de acordo com o que faz sentido para pessoa.

O que ele faz hoje com a ajuda do psicólogo, ele fará sozinho (e de uma forma singular e mais autoral) amanhã. A terapia se torna, assim, um laboratório para o futuro, um lugar onde o "eu de amanhã" é ativamente construído. A pergunta que guia o processo deixa de ser apenas "o que te trouxe até aqui?" e passa a ser também: "quais sentidos orientam seu fazer no mundo?", "quem você quer se tornar?"

Para Profissionais: A ZDI como ferramenta diagnóstica e de intervenção

Para os psicólogos e profissionais da saúde que nos acompanham, a ZDI é muito mais do que um conceito pedagógico. É uma ferramenta diagnóstica e prognóstica de imensa potência, pois ela revela não apenas os "frutos" do desenvolvimento (o que já está consolidado), mas, principalmente, seus "brotos" ou "flores" – os processos que ainda estão em desenvolvimento.

Identificar a ZDI de um paciente é fundamental para uma intervenção que faça sentido para ele. Mas como fazer isso?

A identificação não ocorre por meio de testes padronizados, mas na própria dinâmica dialética da sessão. Ela se revela quando o paciente quase consegue elaborar uma ideia, mas precisa de uma pergunta para conectá-la; quando ele expressa uma emoção de forma confusa e a intervenção do terapeuta o ajuda a nomeá-la; quando ele vislumbra uma solução, mas precisa de ajuda para organizar os passos para alcançá-la. É nesse "quase" que o psicólogo deve atuar.

Trabalhar na ZDI significa oferecer os instrumentos e signos (mediação) necessários para que o paciente avance. O papel do terapeuta não é dar respostas, mas fornecer as ferramentas para que o paciente construa as suas próprias. Isso pode significar:

  • Ajudar a organizar o pensamento em uma narrativa coerente.

  • Oferecer palavras para nomear vivências até então caóticas.

  • Questionar contradições para promover uma nova síntese de pensamento.

  • Validar uma emoção para que ela possa ser conscientemente regulada.

Ao focar na ZDI, o psicoterapeuta move o processo para além da queixa imediata e o posiciona no campo do desenvolvimento. A intervenção se torna intencionalmente direcionada para o devir, promovendo a autonomia e a capacidade do indivíduo de se tornar o principal agente de sua própria transformação.

Dessa forma, a Psicologia Histórico-Cultural oferece uma visão de psicoterapia que honra o passado como a base da nossa história, contextualiza o presente e se compromete ativamente com a construção de um futuro em aberto, um futuro que nos puxa para a frente.

Se você busca um espaço terapêutico para construir ativamente o seu amanhã, entre em contato conosco e conheça nossa clínica.

E se você, profissional, deseja aprofundar seu conhecimento sobre a clínica através da Psicologia Histórico-Cultural, fique atento que mais um curso está por vir.

Referências Teóricas:

  • VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

  • VIGOTSKI, L. S. Obras Escogidas, Tomo IV. Madrid: Visor, 1996. (Em especial os capítulos sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal).